A arte de conseguir ver
Segundo Rubem Braga, ver é muito complicado. Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos, são os de mais fácil compreensão científica. A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica, o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro. Existe algo na visão que não pertence à Física, William Blake sabia disso e afirmou: “A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê”. Há um poema no Novo Testamento, que relata a caminhada de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado. Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente, ao partir do pão, “seus olhos se abriram”. Rubem Braga afirmava com convicção, “que a primeira função da educação é ensinar a ver – eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana.” Como o Jesus menino do poema de Alberto Caeiro “Ensina-me a olhar para as coisas/ Aponta-me todas as coisas que há nas flores/ Mostra-me como as pedras são engraçadas/ Quando a gente as tem nas mãos/ E olha devagar para elas…”
A primavera se aproxima, os pássaros brincam sobre as árvores. Seus cantos nos anunciam a manhã. O velhinho que passeia na praça mostra sua beleza no seu silêncio, basta-nos seu olhar sábio a nos contemplar. Nos versos de Olavo Bilac era possível observar a sensibilidade aguçada. Ele conseguia ver! “O perfume, o silêncio, a sombra…os ninhos/ Emudecem e temos sonhadores/ A humildade das ervas no caminho/ E uma inocência de anjos entre as flores…” Podemos afirmar, que suas poesias, manifestaram uma lírica e dramática visão do mundo.
É uma arte conseguir ver, observar os pequenos detalhes: um olhar (a cor dos olhos: verdes, azuis, negros, castanhos). O tom das palavras, estas revelam com sabedoria quem é a pessoa que está diante de nós! Vamos perceber a existência de “Deus” numa rosa amarela desabrochando, cujas pétalas ainda contêm o sereno da manhã. O sol, a chuva, o mar e suas ondas que dia e noite vão e vem sem errar os passos.
Gostaria de viver mil anos para aprender a ver. Sinto que o tempo passa rápido, e observo a beleza de um olhar, de um aperto de mão e de um sorriso. Ah, como é precioso o ato de ver! Emociona-me os gestos: o abraço, o beijo, a expressão do rosto diante dos acontecimentos. Drummond narra em seu poema, o quanto não conseguimos ver “Meus olhos são pequenos para ver as milhares de casas invisíveis, na planície de neve onde se erguia uma cidade, o amor e uma canção…”
Seríamos mais felizes, se conseguíssemos ver: a beleza que há num texto bem escrito, a pureza estampada no rosto das crianças. O ato de VER não é inato e nem depende da genética, é um querer sem ambições. Não deixe de buscar o conhecimento e nem permita que alguém roube o que você tem de mais precioso e lhe permite VER, a sensibilidade.
Conseguir ver é uma arte!