Um corpo de mulher
Meu primo morava no quarto andar de um apartamento no centro da cidade. Ao entardecer chegava em casa completamente absorvido no seu zelo. Costumava abrir a janela em busca de um ar fresco para arejar o pequeno quarto onde dormia. Na direção da sua janela havia outro apartamento que lhe chamava atenção, e vigiava com ternura um corpo de mulher. A imagem lhe interrompia subitamente através de uma grande onda de alegria, e passou a ser como uma pessoa viva na sua existência. Permanecia no mesmo lugar, sempre de costas para ele, mostrava-se da cintura para cima com seus belos cabelos compridos encaracolados e verdes. Pela cor dos cabelos imaginou-a pousando para um pintor famoso que lhe retrataria numa tela. Despertava-lhe uma certa curiosidade ou qualquer outro sentimento proibido. Morrendo de amores por aquele corpo estranho, resolveu descobrir quem era a imagem esculpida. Mesmo a distância era possível observar no mesmo ambiente um piano e um quadro de flores na parede, e assim mergulhava o olhar através da janela misteriosa. Repetiu-se a cena durante meses, e angustiado disse para si mesmo: “Descobrirei quem é aquela mulher nua!” e dirigiu-se ao apartamento anônimo. O lixo ao lado da porta chamou sua atenção. Dentro havia caixas vazias de remédio, tinta, leite, além de uma infinidade de retalhos de tecidos e folhas amareladas de plantas. Sentou-se no chão e abraçou o lixo, como se estivesse abraçando a amada. Pensou em não descobrir nada e voltar para casa, queria continuar vivendo aquela fantasia! Repentinamente, bateu com força na porta. Uma velhinha com um lindo sorriso lhe convida para entrar. Observa à esquerda de quem entra: poltronas estofadas, uma estante coberta de livros e uma mesa de centro. Enquanto a velhinha se retira para atender ao síndico, respirou livre e mergulhou o olhar através de um longo e amplo corredor procurando revelar o mistério. Infiltra-se em um quarto procurando a mulher nua… Para sua surpresa, diante de uma janela observava a janela do seu apartamento, inclusive a toalha molhada que havia deixado sobre a mesma. Isto ele observava através de um vaso de samambaia enorme, já antiga e de um verde quase negro, o formato era de um corpo de mulher. Durante alguns minutos olhou intensamente para a samambaia como se procurasse enxergar a mulher que amava, e saiu sem se despedir da velhinha. Seu olhar vago e místico tornou-o arisco e silencioso. Guardaria para sempre na memória o grande amor da sua vida, um pé de samambaia.