Mulher

O homem, apaixonado por uma mulher do passado, resolveu desviar seus olhares para outras; poderia ser qualquer uma, mas que não fosse uma que amou com loucura num tempo que não volta mais.

Acordou cedo, tomou café e saiu pelas ruas da cidade. Andou, andou e sentou-se no calçadão, num banco envelhecido, na frente da velha igreja e pensou: “Vim aqui para ser igual aos homens do centro: dialogar, passar o tempo, rever os acontecimentos e, por último, apreciar as belas nas passarelas”.

Usava um terno preto e blusa branca, e uma gravata estampada. Sentou-se por entre as verdes içarobas, cruzou as pernas, fumou um cigarro e retirou de dentro do seu bolso uma fotografia, meio que escondida, apreciou “a misteriosa mulher”, e durante alguns minutos, com um sorriso nos lábios, acariciou a fotografia envelhecida, preta e branca, bela e com um sorriso lindo. Não quis ser visto e duas lágrimas caíram sobre a sua calça preta e antiga. Comprou o terno pensando na amada e por anos e anos permaneceu guardado no fundo do baú. Quando estava em casa espiava pela janela o cemitério de longe, que parecia estar lá a sua amada que não existia. Mas, neste momento, parecia envergonhado, retirou a foto do bolso, a mulher transparecia uma alegria naquele rosto parecendo ter trinta anos. A vida passava, e aos sessenta e cinco anos continuava solitário e infeliz.

De repente aparece uma misteriosa mulher. Levanta-se e senta na envelhecida cadeira a sete metros de onde ele estava. Deveria ser uma escritora, observando a natureza e se inspirando para escrever seu próximo livro?

O homem lança a foto no chão, pisa em cima, junta-a e guarda-a, e com raiva deixa-a cair outra vez. A mulher aproxima-se dele, sem falar, entrega em suas mãos o livro Doces Frutos de Dalva Maria de Luca Dias e desaparece daquele espaço, sem deixar sequer uma palavra. Ele se abaixa, pega a foto, limpa-a, beija-a e guarda-a no bolso. Abriu o livro e lê baixinho: “Teus olhos, tão bonitos como espelhos brilhantes. Teus olhos, tão vivos como águas-vivas. Transparentes. Teus olhos tão luminosos como sóis. Fulgurantes. Teus olhos, tão claros como dias. Ensolarados. Teus olhos tão tristes como ilhas. Magoados. Teus olhos tão ternos como campos. Desamparados”.

Com ternura olha para o céu e uma lágrima desce do seu olhar caindo sobre sua camisa. Parecia estar querendo trazer para perto de si a imagem da fotografia. Em seguida, levanta-se, com o livro embaixo do braço e mãos nos bolsos, percorre toda a encantada praça buscando a mulher que lhe deu o livro. Não tinha visto muito bem seu rosto, apenas seus olhos verdes, cabelos escuros e pele branca, mas deixou ali a beleza e o mistério. Encontrou várias mulheres, mas nenhuma tinha olhos belos semelhantes aos daquela mulher misteriosa.

Entristece-se e vai embora. Estava noite, deitou-se na cama, solitário e pensando em sua vida de solidão, que nada dava certo, chorou, e dormiu. Sonhou e o sonho era apenas poesia, encaminhando-o para uma vida no paraíso. Aquela mulher já não existia mais, só na sua imaginação.

De manhã, ao acordar, pensou: “Quem sabe naquele centro, próximo às içarobas e a antiga igreja, um dia aparecerá, de repente, como um presente vindo dos céus, a misteriosa mulher”. Virou-se outra vez na cama, duas lágrimas caem sobre o travesseiro, sorri e dorme outra vez.