Quatro mulheres apontadas como líderes do esquema criminoso foram presas ontem

Criciúma

Um esquema criminoso de exploração de transexuais com conexão nas cidades de Criciúma e Uberlândia, cidade do Triângulo Mineiro, foi desmantelado ontem (15) na sexta fase da Operação Libertas. Quatro mulheres apontadas como “cafetinas” foram presas durante as diligências, duas delas em Uberlândia, uma em Criciúma e outra no Rio Grande do Sul.

O Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Uberlândia revelou que o grupo criminoso mantinha as vítimas como escravas sexuais, as obrigando a pagar “pedágio para trabalhar” em pontos pré-definidos no bairro Próspera. Elas também eram obrigadas a morar em pensões administradas pelo grupo criminoso, locais sem a “menor condição de habitabilidade”, conforme avaliou a procuradora regional do trabalho em Curitiba, Margaret Matos de Carvalho, durante entrevista coletiva realizada ontem.

O grupo atua desde 2006 em Criciúma e atualmente tem entre 20 a 30 transexuais nas pensões. A investigação aponta que elas eram atraídas por procedimentos cirúrgicos para transformação do corpo, que eram pagos pelas cafetinas. O endividamento gerava a necessidade de trabalhar para o grupo criminoso, mediante violência e ameaça de morte. Já em Uberlândia, são pelo menos 20 anos de atuação do mesmo grupo.

“Existem relatos de vítimas que tiveram extirpados os silicones em razão de não ter quitado a dívida com essas cafetinas. Existe relato também de pessoas que morreram, que injetaram silicone industrial e vieram a óbito”, explicou o coordenador do Gaeco em Uberlândia e promotor de justiça do Ministério Público Estadual de Minas Gerais (MP/MG), Marcus Vinícius Ribeiro Cunha.

A investigação, sobretudo relacionada a possíveis homicídios e tentativas de homicídios nas duas cidades, é mantida sob sigilo. Todavia, a gravidade dos crimes assusta até mesmo os envolvidos na investigação. “São mais de 30 anos de trabalho e nunca vi uma exploração tão violenta e cruel como a que vimos aqui em Criciúma e Uberlândia. E isso precisa acabar. Elas podem trabalhar no que trabalham, mas sem que haja essa exploração terrível, são escravas sexuais neste momento e também são vítimas de tráfico. E há informação até de tráfico internacional de transexuais tanto em Uberlândia quanto em Criciúma”, revelou Margaret.

A investigação também apurou que as vítimas eram obrigadas a realizarem procedimentos estéticos em clínicas recomendadas pelas próprias cafetinas. Elas eram levadas até a clínica clandestina, em Uberlândia, onde eram submetidas aos procedimentos sem exames pré-operatórios. Também não passavam por exames pós-operatórios e acabavam obrigadas a trabalhar sem período de recuperação.

“São clínicas clandestinas com bastante violência, sem anestesia, apenas local, e por isso são amarradas pelos braços e pernas para suportar a dor destes procedimentos. Há alguns relatos de desmaios durante o procedimento. Algumas gritam muito. Uma delas o médico se irritou pelo fato de estar gritando e rasgou o ombro com o bisturi para que parasse de gritar. E quem estava na sala de espera ouvia os gritos”, explicou Margaret.

A investigação também aponta que há fortes indícios de que os responsáveis pelos procedimentos não são médicos. E são qualificados pelas próprias vítimas como “carniceiros e açougueiros”.

“A prostituição é um trabalho digno como qualquer outro, porém o que não pode é uma pessoa estar lucrando utilizando de violência e promovendo o endividamento destas pessoas para que fiquem escravas e retidas nestes locais de trabalho”, argumentou a auditora fiscal do trabalho, Eliane Duran de Carvalho.

Eliane explica que uma série de serviços eram imputados às vítimas, desde a obrigação de pagarem pelo deslocamento até o ponto de prostituição, como pagamento de diárias na pensão, pagamento de cabeleireiro e procedimentos estéticos.

“Trabalham muito, tem uma jornada muito grande e o dinheiro não vai para elas. Vão se endividando com procedimentos estéticos, pagamento de diárias, pagamento de cabelo, tudo vai entrando em uma conta para que sejam mantidas reféns do sistema, além de muita violência. Quem transgredir regras, como a hora de chegar em casa, ou quem chega com pouco dinheiro apanha de mangueira, de vassoura e não só apanha como sofre diversas ameaças como de morte’, relatou.

A gravidade dos procedimentos cirúrgicos não está apenas na forma como são empregados. O Gaeco também apurou que as cafetinas recebiam ‘comissões’ das clínicas clandestinas e que nos implantes chegavam a ser injetados até 10 litros de silicone industrial.

“Não se resume ao implante de prótese, se resume ao implante de silicone industrial nas nádegas e coxas para ter o contorno feminino. E esse implante é proibido para uso humano, é comprado em casa de material de construção. Injetam até 10 litros e elas têm depois problemas seríssimos de saúde. Custa R$ 60 o litro na casa de construção e cobram até R$ 800 para fazer esse implante nos locais clandestinos. O dreno quem tira é a própria cafetina, já que elas tem que trabalhar logo em seguida, sem repouso porque tem que pagar. São procedimentos financiados por elas para causar endividamento. São superfaturados e ainda tem que voltar a trabalhar logo para poder pagar estes valores”, revelou Margaret.

Assistência jurídica

A sexta fase da Operação Libertas foi executada por auditores fiscais do trabalho do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), pela Defensoria Pública da União (DPU), pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pelo Gaeco de Uberlândia, em parceria com a Polícia Militar de Minas Gerais e a Polícia Federal.

O tamanho da operação também é um alento para as vítimas resgatadas, que terão à disposição um abrigo provisório. A auditora fiscal do trabalho, Eliane Duran de Carvalho, explica que as mulheres transexuais também terão direito a três parcelas do seguro desemprego e que políticas públicas devem ser debatidas para encontrar uma solução definitiva.

“Resgatar essas trabalhadoras é obrigação do auditor fiscal do trabalho. Esse resgate implica na emissão de seguro desemprego do resgatado. Queremos garantir que tenham dignidade e trabalhem com dignidade. Essa é nossa competência e obrigação legal”, afirmou.

Os crimes investigados na Operação Libertas são de associação criminosa, exploração sexual, manutenção de casa de prostituição, roubo, lesão corporal, homicídio (tentado e consumado), constrangimento ilegal, ameaça, posse e porte de arma de fogo. Durante a operação, diversos bens móveis e imóveis, além de valores financeiros foram apreendidos e devem ser utilizados para ressarcimento das vítimas.

Colaboração de Thiago Hockmüller, da Engeplus.