Felicidade

Um dos meus prazeres existenciais localizava-se nas estantes da velha biblioteca. Manuel Bandeira, um dos meus poetas preferidos sussurra seus poemas teimosos, sendo que gosto muito do “Pardalzinho” – O pardalzinho nasceu livre. /Quebraram-lhe a asa./ Sacha lhe deu uma casa,/ Água, comida e carinhos. /Foram cuidados em vão:/ A casa era uma prisão,/ O pardalzinho morreu./ O corpo Sacha enterrou/ No jardim; a alma, essa voou/ Para o céu dos passarinhos. Aos poucos releio o poema, absorvo letra por letra sem me cansar.

A poesia tem o poder de iluminar a alma. Tenho ao meu alcance companhias ótimas “os livros” e, “ouço” as mais melindrosas histórias: de vivos e de mortos, arrepio-me às vezes, porque sempre tive medo de defunto. Quando olho para ele murmuro baixinho “ele agora está podendo”, sinto-me tão frágil diante daquela fortaleza. Penso assim, bobagens talvez e, sempre o olho de soslaio, porque me intimido.

Hoje acordei cedo, antes das seis da manhã, sentei-me próxima a lareira que há em minha sala imaginária. Fiquei lendo e me esquentando, pois estava frio. Iniciei a leitura de Dom Quixote De La Mancha do escritor Miguel Cervantes. A história do livro confunde-se, em muitos aspectos, com a história da humanidade. O idealismo da cavalaria e do realismo renascentista e picaresco são simbolizados nos dois personagens centrais. Dom Quixote representa o lado espiritual, sublime e nobre da natureza humana, Sancho Pança, o aspecto materialista, rude e animal.

Li algumas páginas e o dia amanhecia… Sai de mansinho, os olhos no céu a observar o belo sol que adentrava na minha janela, como se estivesse a me vigiar pelos cantos da casa. Fui até a biblioteca, deliciei-me da variedade de livros, maioria os li e alguns ainda estão intactos, não os li por preguiça ou falta de tempo. Pensei “enquanto o silêncio me faz companhia nesta revoada de poetas, tenho o mundo em minhas mãos…” Animada, olhei para o relógio que estava na parede da cozinha, vagarosamente preparei o café da manhã: pães frescos os busquei na padaria, e em volta da mesa minha família… Novamente me senti feliz, porque eles me preenchiam completamente, só havia motivos para sorrir, e assim se vive, como falava Cecília Meireles no seu poema “A arte de ser feliz”…. Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. /Outras vezes encontro nuvens espessas. /Avisto crianças que vão para a escola. /Pardais que pulam pelo muro. /Gatos que abrem e fecham os olhos ,/sonhando com pardais. /Borboletas brancas, duas a duas, /como refletidas no espelho do ar. /Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. /Às vezes, um galo canta. /Às vezes, um avião passa. /Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. /E eu me sinto completamente feliz. /Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, /uns dizem que essas coisas não existem, /outros que só existem diante da minha janela, /e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, /para poder vê-las assim…