Irresponsabilidade, oportunismo e populismo parte II: ainda mais irresponsável.

Não está fácil navegar nesta pandemia mantendo o mínimo de sanidade. Somos bombardeados por números duvidosos e curvas fictícias 24 horas por dia, sete dias por semana. Duvidosos, pois simplesmente não sabemos realmente quantos infectados existem no Brasil. Com base nestas “não informações”, autoridades locais têm forçado as medidas mais absurdas imagináveis, sem respaldo claro da Anvisa ou do Ministério da Saúde, cujo ministro muda mais de ideia do que um político muda de posição (não por acaso o ministro é um dos únicos quadros políticos do primeiro escalão). É como se encarnássemos o personagem de Franz Kafka, Joseph K, um homem arrolado em um processo cuja motivação, autor e penalidade ficam um mistério ao longo de todo o livro O Processo. Joseph chega à beira de perder a sanidade com tantos estímulos contraditórios e tantas informações sem nexo que no final está completamente dócil para receber a pena de morte, cuja motivação não compreende.

Mas alguns fatos do mundo político nos ajudam a iluminar essa caverna. A verdadeira cachorrada patrocinada pelo pilantra-mor da república, inconfundível Nhonho, atual inquilino da presidência da Câmara dos Deputados, é o mais eloquente. Tal cachorrada foi a desfiguração do plano Mansueto, que previa, de uma maneira bem ampla, a renegociação de dívidas dos estados com a União e a possibilidade de contratação de empréstimos por parte destes entes federados mediante alguns condicionantes. Obviamente, a pilantragem que compõe ao menos metade do Congresso viu seus olhos se tornarem cifrões de desenho animado e ampliaram o escopo do plano a ponto de o próprio governo tentar descartá-lo.

O resultado foi uma cornucópia de incentivos para estados irresponsáveis arruinarem ainda mais suas finanças na medida que o plano do Nhonho garante reposição, por parte da União, das perdas com arrecadação de ICMS ao longo da duração das medidas irresponsáveis e irracionais dos governos estaduais. E a festa já começou. No Rio de Janeiro, o governador levantou sigilo sobre gastos relacionados à pandemia, inclusive os mais de R$ 900 milhões em hospitais de campanha.

Portanto, a votação da última segunda feira (é preciso uma pandemia para fazer os imprestáveis congressistas trabalharem na segunda feira) é um bom indicador de onde estamos indo e do porquê há uma torcida tão grande pelo caos e uma alienação tão grande por parte do público. Eu garanto aos leitores: quando as campanhas de 2020 e 2022 estiverem garantidas, (e com um extra no bolso de caciques a cabos eleitorais, pois ninguém é de ferro), veremos a coleira que os governadores impuseram sobre a sociedade ser afrouxada, a mídia puxa-saco fazendo cobranças pela reabertura do comércio, uma profusão de dados sobre hospitais subutilizados e dezenas de milhares de pessoas curadas do Covid-19.

Não importa que o IFI (Instituição Fiscal Independente, e não “financeira” como os analfabetos da Globo vêm divulgando) esteja projetando um déficit fiscal de R$ 514 bilhões para este ano. Segundo os economistas de boteco que proliferam nas redações e nos gabinetes de Brasília, basta imprimir mais dinheiro. Sim. Este é o país em que vivemos. Esta é a elite suja que somos obrigados a servir. Mas a paciência do povo tem limite.

Professor do curso de Ciências Econômicas da UNESC, mestre em Economia do Desenvolvimento pela PUCRS e doutorando em Economia pela UNISINOS.

Contato: ismaelcittadin@gmail.com