Coluna Economia em foco – 11/03/2020

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Afinal, o que aconteceu com os mercados na segunda feira?

O pânico mundial que vimos na última segunda feira deixou muita gente confusa. Afinal, o que aconteceu? Sabemos que o estopim foi a guerra de preços declarada entre Rússia e Arábia Saudita pelo nível de produção de petróleo. Sabemos também que o mundo vem andando a passos lentos desde que a epidemia do Covid-19, o famigerado “Coronavírus” deflagrou na China entre fins de dezembro e início do ano. Sabemos também que muitos países, especialmente Estados Unidos, Japão e alguns europeus passam pelo fim de um ciclo de crescimento. Como transformar tudo isso em informação útil em entrarmos em uma síntese confusa que produz nada além de histeria?

O reino da família Saud é o maior exportador de petróleo do mundo. Com uma economia e população relativamente pequena e custos de produção extremamente baixo, ele pode ditar níveis de oferta global apenas aumentando ou diminuindo o uso de sua capacidade de produção ou de seus estoques. Não apenas a Arábia é um grande exportador, mas outros reinos do oriente médio e países como Noruega e Nigéria também entram neste grupo seleto organizado em um cartel chamado OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo. Rússia, apesar de ser um grande exportador, não faz parte oficialmente do cartel, mas mantinha um acordo de controlar níveis de produção conjuntamente à OPEP.

O que vimos acontecer, foi o fim deste acordo e uma tentativa de o reino Saudita manter os mesmos níveis de produção mundiais. A Rússia julgou que tal estratégia não combinava com seus próprios interesses por duas razões: primeiro, ela se viu sendo forçada a desenhar política comercial de acordo com os interesses de países menores no plano geopolítico; e, em segundo, ela não viu vantagens em manter os níveis de preços anteriores, uma vez que apenas davam sobrevida à indústria de xisto dos Estados Unidos, que hoje é não apenas autossuficiente, mas que vem tomando mercado do petróleo russo.

Ou seja, os russos viram a chance de quebrar a indústria de xisto americana, uma vez que ela é formada predominantemente por pequenos produtores independentes e com altos níveis de endividamento. Já a Arábia, como forma de trazer equilíbrio de cartel novamente ao mercado, elevou sua produção, derrubando preço. Portanto, temos que ver este movimento como parte do xadrez geopolítico. O quanto a estratégia russo-árabe vai durar depende da capacidade tanto da Rússia quanto da Arábia Saudita de manter os preços, especialmente a partir do momento que Trump sair em defesa da indústria nacional.

Quais as consequências para o resto da economia? Bem, enquanto escrevo, o Ibovespa tem um repique de alta de 2,9%. Isso mostra que o pânico desta segunda feira foi um fenômeno mais psicológico do que real. A guerra de preços influencia fortemente a indústria petroleira e todas as empresas na cadeia produtiva. Então, o golpe é mais forte em empresas como Petrobrás, Petrorio, Lupatech, BP, Shell, Exxon, etc. As empresas aéreas, e as de logística em geral, serão beneficiadas com a diminuição dos custos, um alento visto as dificuldades causadas pelo COVID-19.

E no Brasil? Podemos estabelecer com alguma segurança que, a partir do momento que distribuidores e postos renovarem seus estoques, veremos uma queda em gasolina e diesel. O efeito cascata na economia será forte. Combustível é um componente pesado nos índices de inflação, então veremos quedas no IPCA. Isso não deve fazer os juros (Selic) baixar ainda mais visto a desvalorização pesada do câmbio, mas o orçamento da maioria das pessoas deve tomar um fôlego.

Quanto ao coronavírus, ainda estamos medindo suas consequências. China e Coréia do Sul já parecem ter controlado a propagação. A preocupação maior agora se encontra na Itália. Com grandes áreas do país em quarentena, a economia para o já combalido sistema financeiro italiano deve sofrer mais. Dívidas param de serem pagas, os bancos perdem liquidez. O componente financeiro da crise pode nascer no berço do capitalismo, o norte da Itália.

Quanto ao Brasil, pessoalmente não me sinto preocupado. Nosso sistema financeiro é forte e nossa economia está no contra ciclo do resto do mundo. Enquanto outros países terminam seu ciclo de crescimento, estamos iniciando o nosso. A dúvida é se o crescimento será robusto, via recuperação das finanças públicas e reformas estruturais, ou fraco, devido a uma instabilidade política unida à instabilidade internacional. Aguardemos.

Professor do curso de Ciências Econômicas da Unesc, mestre em Economia do Desenvolvimento pela PUCRS e doutorando em Economia pela Unissinos.

Contato: ismaelcittadin@gmail.com