Após movimento que durou dez dias e praticamente parou o Brasil, profissionais lamentam as perdas que ainda não foram recuperadas

Há um ano, a greve de uma categoria parou o Brasil. Caminhoneiros autônomos estacionaram os veículos, em busca de melhorias. Entre as reivindicações, estavam os reajustes frequentes nos preços dos combustíveis, principalmente do óleo diesel, realizados pela Petrobras com frequência diária, o fim da cobrança de pedágio por eixo suspenso e o fim do PIS/Cofins sobre o diesel.

Os bloqueios de rodovias e a paralização em 24 estados e no Distrito Federal, que duraram dez dias, geraram a falta de alimentos e remédios, escassez e alta de preços da gasolina, aulas e provas suspensas, frotas de ônibus reduzidas, voos cancelados em várias cidades, quantidades enormes de alimentos desperdiçados sem contar o grande prejuízo em granjas e criação de suínos que, por falta de ração, se depararam com a morte dos animais. Mas o que mudou após a ação coletiva?

Segundo o caminhoneiro Laênio Nazário Cardoso, de Içara, pouca coisa mudou. “Necessariamente apenas um aumento nos valores no que chamamos de frete de retorno. O qual realmente era o que mais nos pesava financeiramente somado ao custo do diesel”. Já Clair Goudinho, também de Içara, que viveu a situação no ano passado, revela que praticamente nada mudou. “Deram de um lado e tiraram do outro. Lamentavelmente”.

Questionados sobre os prejuízos obtidos durante a paralização ambos foram unanimes nas respostas: “Nos dias de paralisação tivemos um prejuízo irreparável. Porém era necessário esse movimento para que fossemos notados e atendidos. A classe não suportava mais a aproximação estreita entre os custos e receita”, declarou Cardoso acrescentando que as perdas foram irrecuperáveis. “Nenhum prejuízo se recupera quando se trata de dias parados. Mais foi necessário para que a classe não perdesse ainda mais”. “O prejuízo foi alto e ainda não conseguimos recuperar. Também não acredito que isso ocorra”, completa Goudinho.

Nova paralisação é possível

Sobre as reivindicações, Clair avalia que bem poucos pontos foram atendidos. Cardoso conta o mesmo: “Não fomos atendidos em todo o contrato, mas deu uma aliviada. O fator do frete de retorno melhorou um pouco, mas há muitos fatores a serem revistos. Ressalto que o frete de saída nunca foi problema e sim os espertalhões no qual se aproveitam que o caminhoneiro está fora de sua cidade, com muita saudade da família, para ofertar um frete que acaba não cobrindo os custos para retornar. E na maioria das vezes, sem opção, o motorista se submete a estes valores, lamentavelmente”, disse explicando ainda que houve um leve reajuste nesse quesito.

Indagados sobre a possibilidade de uma nova paralisação, tanto Goudinho quanto Cardoso responderam que há possibilidade existe. “Acredito que sim, mas espero que não. Tenho esperança de que as coisas entrem nos eixos sem precisarmos de uma nova greve”, assinalou Goudinho.

“Nunca se descarta um novo movimento de paralisação. Mas a categoria está unida e ciente que esse governo atual está lutando para consertar um estrago feito em nossas economias por longos 16 anos. E que não seria possível o mesmo arrumar a casa em curtos cinco meses”, declarou Cardoso, esperançoso.

Quanto às necessidades dos caminhoneiros Cardoso destaca que estradas em boas condições são fundamentais. “Temos longos trajetos asfálticos a serem recuperados. Os melhores trajetos, infelizmente, se tornam caros devido aos valores absurdos dos pedágios que tem a cobrança mais elevada nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná. A segurança também é um assunto a ser revisto com maior rigor. Quanto ao valor do diesel, não sabemos ainda onde isso vai parar”.

Reconhecimento

Para Clair Goudinho entre as necessidades está o reconhecimento. “Ser caminhoneiro é ser um esposo ausente. É não ver um filho crescer. Eu, por exemplo, conheci meu filho já com dez dias de vida; minha neta já estava com mais de 20 dias. É não ter dia dos pais e festa de família, é ser sozinho mesmo que sendo um homem de família. Seria muito, muito gratificante se fossemos respeitados como qualquer outra profissão. Estradas em boas condições são necessárias, mas há coisa mais simples que isso’, relata emocionado.

A esposa de Clair Goudinho, Greice, também manifestou seu sentimento como esposa de caminhoneiro. “Me sinto envergonhada por saber o sacrifício que eles passam nas estradas enquanto as pessoas faziam filas em posto de combustíveis, pagando um absurdo por um litro de gasolina. As pessoas não imaginam o quão difícil é ser mulher de caminhoneiro, passar noites em claro esperando uma ligação depois de dias sem notícia. Durante a paralisação me senti sozinha, sem forças. As pessoas precisam entender e respeitar o caminhoneiro, pois sem ele, o Brasil para”, revela.

A greve de 2018

A greve teve início na segunda-feira, dia 21 de maio de 2018. A disparada no preço do óleo diesel leva os caminhoneiros a iniciarem a paralisação, interrompendo o trânsito em rodovias de ao menos 17 estados. No dia seguinte, as manifestações já estavam em 24 estados, e os primeiros reflexos no mercado começam a surgir. Sem receber insumos que esperavam por via terrestre, grandes montadoras decidem reduzir a produção.

Enquanto o governo avaliava que os efeitos da greve não eram tão profundos, a Petrobras fez uma oferta de reduzir em 10% o preço do diesel nas refinarias por 15 dias. A categoria não aceitou e a greve continuou. Nessa altura, a paralisação gerava impacto no abastecimento, com a disparada de preços em postos de gasolina, além da redução de frotas de ônibus, interrupção de produção em fábricas e prateleiras vazias nos mercados.

O então presidente Michel Temer, acionou os militares para desbloquear as vias e escoltar veículos responsáveis pelo abastecimento, principalmente nos aeroportos. Com uma semana de paralisação, foi assinado um acordo para que os caminhoneiros voltassem ao trabalho, mas a greve continuou.

O movimento só começou a perder força no dia 29, o nono de paralisação, com a redução no número de veículos parados. No dia seguinte, as Forças Armadas e a Polícia Rodoviária Federal eliminaram praticamente todos os pontos de concentração de caminhoneiros nas estradas, mas a normalização ainda caminhava a passos lentos nas cidades.