Por que escrevo crônicas? (Uma resposta ao leitor)

Amo as crônicas, porque elas não abafam ninguém. São textos feitos para o momento e que, pela qualidade, vão ficar para sempre. A crônica tem fala mansa, sem aparentar pompa ou qualquer circunstância, como é o típico da espécie. Os ingleses talvez carreguem mais no sarcasmo, os franceses apostam na erudição, já a crônica brasileira tem uma cara própria, leve e bem-humorada, amorosa e com o pé na rua. A carta de Pero Vaz de Caminha foi nossa primeira matéria no gênero. No início eram chamados folhetins, a crônica surge na relação com a imprensa, os primeiros autores recebiam como missão escrever um relato dos fatos da semana. Aos poucos a tarefa foi entregue a penas geniais como Machado de Assis, e assim este gênero passou a refletir com estilo, refinamento literário, despretensioso, o que anda pelos costumes sociais. Ocupa hoje, pelo menos em jornais que apreciam e valorizam a crônica, meia página diária na maioria. E quando transformada em livro, como no caso das produções de Veríssimo e Arnaldo Jabor, fica dezenas de semanas nas listas dos mais vendidos. A crônica é, sem dúvida, um fenômeno de aceitação popular, o contato mais cotidiano do brasileiro com os grandes autores da língua. Segundo Antonio Candido, é o início de uma raça “cães vadios, livres farejadores do cotidiano, batizados com outro nome vale-tudo: crônica”. A crônica não tem compromisso em informar o que está acontecendo. Está no jornal, mas não é um espaço de notícia. Abusa da liberdade, eis a palavra mágica. E isso nas mãos dos craques faz o charme da crônica brasileira. Já Machado, queria distância da solenidade dos grandes acontecimentos. Declarava-se autor em que o estilo grave não cabia, era um escriba das coisas miúdas. Segundo ele, a crônica está no detalhe, no mínimo, no escondido, naquilo que aos olhos comuns pode não significar nada, mas puxa uma palavra daqui, uma reminiscência clássica dali, e coloca-se de pé uma obra delicada de observação absolutamente pessoal. O borogodó está no que o cronista escolhe como tema. Nada de engomar o verbo, é um rabo de arraia na pompa literária. Muitas vezes uma crônica brilha gloriosa, mesmo que o autor esteja declarando, que está sem inspiração. Manuel Bandeira dizia que Rubem Braga era sempre bom, mas quando não tinha assunto era ótimo. A de Clarice Lispector vinha regada com azeite da alma, mas já as crônicas de Lima Barreto traziam no tempero alguma erva colhida num quintal suburbano.

Meu amor por crônicas é inexplicável, porque são como filhos meus. Escrevi uma crônica que levou um ano, outra dois anos e a maioria as escrevo em uma manhã no máximo. Uma delas está no meu livro “Colcha Inacabada”, uma homenagem que fiz a minha mãe. Chorava ao escrever, motivo pelo qual demorei um ano para terminá-la. E esta que acabo de escrever “Por que escrevo crônicas? (Uma resposta ao leitor)” está nascendo agora e faz dois anos. A ideia de narrar o nosso tempo, leva-nos onde ninguém pode imaginar, só o lendo para saber. Canto a política, a vida, a morte, o medo, e há gotas de certa inefável poesia. Abuso da liberdade, do comentário irônico, ora perplexo. Textos ligeiros, simples e superficiais. Pequenas obras-primas de emoção, baseadas nos espantos e alegrias, decepções e surpresas do cotidiano. Meu estilo, transcende a edição do jornal, continuam atuais, são atemporais e procuro fazer bonito diante da escrita que evolui. Se Bandeira disse em poesia que o coelhinho da índia tinha sido sua primeira namorada, milhões de brasileiros poderiam repetir o mesmo em relação à crônica. Para mim, a crônica é uma das minhas paixões a navegar pelas letras, através dos jornais. Um dos meus perfumes preferidos contido nos pequenos frascos, uma pérola para a eternidade…