Retrato de um passado

Ultimamente, penso no tempo. Ele não é uma pessoa, nem uma flor, parece ser uma fada, que me joga aos lugares mais belos: praias, lagos e cascatas…

Um retrato fiel de minha vida… A necessidade da mais rígida economia, impedia-me em todas as festas, o tão sonhado uso de um vestido novo. Mamãe, no mesmo vestido, colocava um laço ou uma flor… Transformava-o em outro mais bonito ainda. Certa vez, usei um vestido enfeitado de preguinhas e botões, e tinha uma renda rosa franzida no decote e nos punhos. Sentia-me amplamente satisfeita com a aparência. Mamãe, guardava num baú bonito, graças a magia dos seus dedos, chapéus lindíssimos. Usávamos nos dias ensolarados, à beira mar ou nas lagoas. Minha mãe era uma costureira de primeira classe. Perfeição de artista. Minha mãe, minha heroína…. Flor divina!

“Por que Deus permite que as mães vão-se embora? Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não apaga, quando sopra o vento e chuva desaba, veludo escondido na pele enrugada, água pura, ar puro, puro pensamento.” (Carlos Drummond de Andrade)

Não me esqueço dos encargos da minha tia. Plantou laboriosamente, no seu pedaço de jardim e, quando sentia o perfume das rosas, apenas apreciava. Vendia-as na feira. Percorria um quilômetro todos os dias, até a casa de sua irmã. Lá alimentava as galinhas chocas e recolhia ovos frescos. Lamentava, por não ter ovos de pato. Diariamente, lavava uma camisa do marido, engomando-a, uma camisa de linho branco, entre outras. Pela manhã, ela lhe agradava na cama, levava para ele uma xícara de café. Depois, após seu banho, servia-lhe café com bolo e outras quitutes. Deliciava-se com aqueles modos de gentleman, aspecto fino, rosto barbeado, e sua branca camisa de colarinho branco. Não havia no povoado, nenhum outro que se assemelhasse.

“Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser! Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisa. A poeira de uma estrada involuntária e sozinha. O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras. O pião do garoto, que vai a parar. E oscila, no mesmo movimento que o da alma, e cai, como caem os deuses, no chão do destino.” (Fernando Pessoa)

O tempo passa, porém permanecem em nossas memórias imagens e até palavras… Ainda gosto de me deitar na rede, sob as estrelas, estirando as pernas e olhando profundamente ao céu, pensando nos mistérios do universo, enquanto os anjos transparentes me ensinam a viver…

Para, meu coração! Não penses! Deixa o pensar na cabeça! Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus! Hoje já não faço anos.

Duro. Somam-se-me dias. Serei velho quando o for. Mais nada. Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!…“ (Fernando Pessoa)