Roubou meu coração
De costume, embelezava as toalhas com carinho, crocheteando-as com linhas finas de seda… Estava só e olhava de soslaio as fotografias nos porta-retratos expostos no balcão da sala. Os filhos, o marido e uma concunhada. O tempo passou rápido, pensou, e já faz 20 anos! Estavam bem arrumados! Trajavam-se os homens de ternos pretos e camisas brancas, bem passadas e de longe um brilho celestial. Quanto as mulheres, usavam vestidos longos, maquiadas e cabelos longos presos. Pareciam princesas!
De repente, soltou lentamente a agulha de crochê e voltou a ler um livro que estava ao seu lado, sobre a cadeira de madeira envelhecida pelo tempo. Apreciava a biografia de Steve Jobs, escrito por Walter Isaacson. “As pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o mundo são aquelas que o mudam”. Não lhe faltava sabedoria e nem finura, talvez se julgasse com certa malícia…
Ultimamente em nada se apegava, porque sentia saudades… Aferrava-se ao passado, sua glória e seu único amor! Homem bondoso e trabalhador, seu marido. Quanta perfeição e sempre será o amor de sua vida! Ah, só ele entendia suas fantasias, anseios ou fazia de conta que nada percebia.
Não muito tarde da noite, após o jantar e o banho, sempre juntinhos se dirigiam ao quarto para mais uma noite ouvirem de longe os latidos dos cães ou um silêncio inexplicável… Deitavam na cama e através da janela aberta observavam a lua cheia, que passeava no céu. O vento e uma série de nuvens brancas corriam com a rapidez de grandes pássaros brancos, ora ocultando a face da lua, ora a conservando com uma limpidez maravilhosa. A alegria da paz noturna tomava conta dos corações.
Certa noite ao acordar, observava seu marido lhe contemplando e sentiu uma felicidade confusa. Mesmo assim lhe questionou: _ Por que me contemplas? E ele: _ Que mulher você é? Nenhuma roubou assim meu coração! Ela: _Sou sua e você é meu! Virou-se para o lado esquerdo, jogando no chão o travesseiro, sem dormir e pensando “… Nunca afastaremos de nós esses pensamentos.” Aproximaram-se novamente e apertaram suas mãos. Em seguida dormiram e a lua se libertara inteiramente das nuvens…
O sol outonal dominava a alma… Levantou-se da cadeira e caiu do colo a bela toalha de crochê e o livro.