Coluna Maria de Fátima Pavei – 23/05/2020

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José Saramago permanece vivo!

José Saramago se aventurou em prosas e versos, sendo que quase toda sua produção literária é do fim dos anos 70 para cá. O escritor surgiu após a Revolução de Abril de 1974, que instalou a democracia em Portugal pela primeira vez. Saramago tinha uma vida construída sob uma ditadura, mas uma obra erguida em um regime democrático, seu tema principal era uma mistura dessas duas condições: o homem que se calava e o homem que não se deixava calar. Escrevia para o homem que lutava contra o mundo injusto e construía através da palavra o lugar que o ser humano merecia viver. Despertava as pessoas para a realidade, pois neste mundo passamos rápido e não podemos nos privar de deixar nossas marcas de coragem contra a injustiça. Saramago nos abriu as portas dos salões oficiais e dos bastidores, mostrou-nos com cinismo e sarcasmo costumeiros a oposição entre os interesses do Estado e dos cidadãos.

Escreveu vários livros, entre eles: “Memorial do convento”, “O ano da morte de Ricardo Reis”, “O evangelho segundo Jesus Cristo”, “A jangada de pedra” e “A viagem do elefante”. Em 2009 o romance publicado pelo escritor foi “Caim”, uma obra de arte que deve ser conhecida. Li várias obras de Saramago e investigo até hoje com seriedade o que ele transmitiu além das letras. Em resumo, além de ser algo fictício se tornava real os homens que brigavam pelo poder, manifestavam-se os que tinham autoridade para isso. Pelo poder, o homem se tornava louco transformando sua loucura em divindade que guiava todos os seus passos.  A mente é curiosa, pois pode andar por todos os cantos do mundo, motivadas por uma diversidade de temas, estimule-a e mostre suas raízes profundas. Saramago foi um gênio, queria ter aquele cérebro durante um dia pelo menos.

Aldoux Huxley disse que toda coisa que acontece é intrinsicamente semelhante aos seres humanos. Sou humanista e prefiro as abstrações, o pensamento imprevisível, pena que não conheci Saramago, enfim contento-me com suas obras. Fazer parte de um pequeno grupo que tem o conhecimento significa ter o poder da palavra, o qual ninguém nos rouba e quando tentam nos tornamos mais fortes. Escrever para o homem atual, mostrando o quanto precisamos ser autênticos numa luta diária contra a pobreza intelectual é o dever de todos os Saramagos que dominam a escrita. Não estamos vivendo um período de encolhimento das liberdades civis, mas de aparelhamento do Estado e das instituições, no qual se misturam a partidarização de todos os níveis dos órgãos oficiais, o alinhamento dos sindicatos, a pressão do Executivo sobre outros poderes e um intenso trabalho na divulgação de um discurso oficial mesmo quando os fatos o contradizem. Apesar de comunista notório, Saramago não deixou a ideologia entrar em sua literatura. Sua preocupação pertencia ao humanista que jamais foi um ideólogo! Sobreviveu e provou que estes corpos que se transformarão em pó não morrem! José Saramago permanece vivo!