SAUDADES DA INFÂNCIA
Era uma alucinação percebida tão vivamente, que pouco a pouco se transformava na lembrança de uma vivência real. Num elevador, eu e um casal de velhinhos, tão bonitinhos! Os sorrisos, os abraços ternos! Poderiam ser meus avós e que bom se fossem!
Desfalecida eu não conseguia pronunciar uma única palavra, a cena substituía qualquer ato de fala e trazia-me lembranças de quando eu era uma menina.
Nas férias das aulas eu e meus dois irmãos íamos para o sítio sentir o carinho dos nossos avós. Pescávamos numa lagoa e como éramos arteiros! Escondidos, íamos até o arvoredo e matávamos passarinhos, recolhíamos os ovos dos ninhos e levávamos para a casa. Sem que vovó percebesse (será que ela não prestava atenção?) fritávamos os pássaros e fazíamos omelete dos ovinhos, depois saboreávamos. Pobres passarinhos!
Na hora do café: vovô, vovó, eu e meus irmãos Vega e Lupi sentávamos a mesa e lanchávamos: bolinho de chuva, pão de maracujá, toalha felpuda, biscoitos de chocolate e café… que delícia!
Vovô, um intelectual passava horas lendo e olhando para o nada. Havia muitos livros organizados numa estante de madeira que ele mesmo a construiu. Numa mesa uma máquina de datilografar: cinza, teclas azuis e quando parava de escrever limpava com uma flanela e a guardava dentro de um saco de cetim branco… Quanto capricho! Ele era o professor de português daquela comunidade, adorado por todos.
Um dia ele me chamou e disse:
_ Menina, brinque, sorria, seja arteira! Não esqueça nunca que tua vida está dentro de um livro, leia os sempre!
_ Mas vovô, há muitos livros e como saberei em qual está a minha vida?
_ Estará dentro de um deles, encontrarás nas palavras.
Eu saia correndo e gritando ao vento…vou ler, vou ler todos os livros do mundo!
De repente o elevador para e acordo daquele sonho! Os velhinhos desceram olhando para trás e sorrindo para mim.
Eu não quis descer, quis ficar ali para sempre! Eles foram embora e levaram com eles as minhas recordações. Não sei quem são eles, onde moram e nem conversamos, mas me proporcionaram momentos inesquecíveis. Voltei ao passado, revivi experiências anteriores.
Desci e fui embora pensando naquele casal de velhinhos… tão bonitinhos!