Coluna Economia em Foco – 02/07/2019

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Alguns motivos para e comemorar o acordo Mercosul – UE

Entre os economistas que aderem à tradição de verificação de hipóteses teóricas via observação da realidade empírica e “replicação” dos fenômenos econômicos através de métodos estatísticos avançados, em outras palavras o bom e velho método científico, há alguns consensos (ou quase consensos). Um dos mais fortes é que abertura econômica tende a aumentar, ao menos na média, o bem-estar das sociedades que a adotam. Isso significa que, de forma geral, há um aumento de bem-estar medido em bens e serviços mais acessíveis à população em geral, ainda que signifique um custo para os trabalhadores das indústrias afetadas direta ou indiretamente pela abertura comercial. Este fenômeno foi observado após a abertura comercial promovida pelo governo Collor. Setores engessados da indústria brasileira passaram maus bocados, com uma diminuição sensível em seu número de trabalhadores formais, com estes migrando para o setor informal. Porém, a melhoria e modernização econômicas produziram ganhos sensíveis de bem-estar social, especialmente após a implementação do Plano Real.

Entre os economistas, estes argumentos foram lembrados na última sexta-feira, quando foi celebrado o tão esperado acordo Mercosul – União Europeia. Sob toda a comemoração pelo acordo, muito justa ao meu ver, existe um certo receio quanto às consequências que ele pode trazer a uma já muito fragilizada indústria nacional. Poderia aqui expor o argumento de que a indústria foi fragilizada justamente pelas políticas desenvolvimentistas, entre as quais barreiras comerciais é um item tão clássico do repertório heterodoxo quanto a McLaren Marlboro é na Fórmula 1, mas me concentrarei em expor alguns pontos relevantes do acordo e o porquê de seu potencial benéfico.

Em primeiro lugar, o acordo fornece aos bens industriais, agrícolas e serviços do Mercosul acesso preferencial a 25% do comércio do mundo, com isenção ou redução do imposto de importação. Atualmente, apenas 8% dos mercados internacionais oferecem essas condições aos produtos brasileiros, visto que a grande maioria dos acordos de livre comércio que temos firmado são, no geral, acordos dentro da América do Sul com exceções marginais, como Israel. Este é o motivo pelo qual um país continental, com 209 milhões de habitantes, um dos maiores produtores industriais e de commodities do mundo, a 9ª maior economia do mundo, represente apenas 1,1% do comércio global.

Em segundo lugar, de acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI) “o acordo reduz, por exemplo, de 17% para zero as tarifas de importação de produtos brasileiros como calçados e aumenta a competitividade de bens industriais em setores como têxtil, químicos, autopeças, madeireiro e aeronáutico. De acordo com estudo da CNI, dos 1.101 produtos que o Brasil tem condições de exportar para a União Europeia, 68% enfrentam tarifas de importação ou quotas.” Estes dados não podem ser subestimados, visto que mais da metade (56%) da nossa pauta exportadora para a EU é de produtos industrializados. Este ponto contribuirá, mesmo que marginalmente, para a reativação dos investimentos e da formação bruta de capital fixo, imprescindíveis para a reativação do crescimento econômico.

Em terceiro lugar, “para os países do Mercosul, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, o acordo prevê um período de mais de uma década de redução de tarifas para produtos mais sensíveis à competitividade da indústria europeia. No caso europeu, a maior parte do imposto de importação será zerada tão logo o tratado entre em vigor. O acordo cobre 90% do comércio entre os blocos.” Aqui as preocupações expostas no primeiro parágrafo sobre os riscos aos empregos de setores industriais fragilizados pela abertura comercial são atendidas satisfatoriamente a meu ver.

Em quarto lugar, os dois blocos formarão uma área de livre comércio que soma US$ 19 trilhões em Produto Interno Bruto (PIB) e um mercado de 750 milhões de pessoas. Há potencial, segundo o Ministério da Economia de incremento de US$ 125 bilhões no PIB brasileiro em 15 anos.

Em quinto lugar, produtos agrícolas brasileiros, que sempre sofreram com as barreiras comerciais e subsídios dos governos europeus, receberão quotas de importação. A depender do movimento europeu de abertura de seu mercado agrícola, o acordo pode agregar US$ 9,9 bilhões às exportações do Brasil para a União Europeia, segundo cálculos da CNI. Indiretamente, o crescimento das exportações agrícolas impactam positivamente na indústria, uma vez que, ainda segundo a CNI, “o agronegócio consome R$ 300 milhões em bens industrializados no Brasil para cada R$ 1 bilhão exportado.”

É literalmente um mundo que se abre para a economia brasileira. Dependendo dos entendimentos já em discussão com Japão e Estados Unidos, há uma possibilidade real de o Brasil dar um salto qualitativo em sua pauta de exportação, ressuscitando a indústria e no longo prazo tornando-se um país verdadeiramente competitivo.

Ismael Cittadin – professor e doutorando em Economia.