Após aparecimento de um gambá no jogo entre Criciúma e Londrina, profissionais da universidade fazem análises no estádio
Criciúma
Já eram mais de 26 minutos do segundo tempo. Os cerca de nove mil torcedores que pintavam as arquibancadas do Estádio Heriberto Hülse de preto, amarelo e branco explodiram em uma grande histeria, menor, é claro que aquela dos 16 minutos do primeiro tempo, quando Marquinhos Gabriel fez o gol que deu a vitória por 1 a 0 para o Tigre sobre o Londrina, em seu primeiro jogo no Campeonato Brasileiro da Série B de 2022.
Os gritos não festejavam mais um gol, não foram porque um jogador adversário foi expulso, nem porque o árbitro da partida escorregou e caiu. O que ocorria era algo inusitado. Um elemento estranho a uma partida de futebol entrara no campo.
Alheio aos gritos que vinham da arquibancada, um simpático gambá passeava pelo gramado, desfilando todo o seu charme e gingado.
Passado o fato, surgiu uma pergunta: é comum que ele estivesse no estádio, localizado na área central de Criciúma?
Sobre o caso, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), exigiu uma resposta à direção do Carvoeiro, que por sua vez procurou a Unesc que passou a fazer estudos acerca do assunto.
A missão ficou a cargo do coordenador do Departamento de Ciências Biológicas e do Laboratório de Zoologia e Ecologia dos Vertebrados e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais, Fernando Carvalho, que, com toda a sua equipe, fez a primeira visita ao Majestoso nesta quarta-feira (25/05). “Após reunião com a direção do clube para entender o que precisava ser feito e de que forma poderíamos contribuir, definimos que faríamos uma análise da estrutura do estádio para tentar identificar se há indício da incidência de outros animais e em quais locais podem se alojar durante o período diurno, pois esses gambás são de hábitos noturnos”, revela o professor.
No rastro dos bichos
Para identificar se há mais animais circulando no interior do estádio, serão instaladas dez câmeras fotográficas, que são ativadas por movimento. Então, caso um bicho passe por ela, uma foto ou um vídeo é registrado. “Com estes equipamentos, queremos ter certeza se há algum animal e qual. Se houver, partiremos para um outro momento do trabalho que seria a retirada deles e daremos a destinação adequada”, comenta Carvalho, acrescentando que o trabalho iniciou pelo coordenador do curso de Educação Física da Unesc, professor Joni Márcio. “Tudo começou com o professor Joni que já desenvolve um trabalho com o Criciúma. O clube estava com a demanda de responder à CBF sobre a invasão do gambá ao campo porque para a confederação, a entrada de um animal no decorrer do jogo é passível de multa. O clube precisa preparar uma justificativa de que aquilo foi um acidente e a chance de acontecer novamente será minimizada, mostrando que está se preparando para enfrentar este problema”, explica.
Conforme Fernando, o Criciúma E.C. fica com significativa responsabilidade, primeiro com os jogadores e torcedores, e também com os animais. “Seria muito fácil contratar uma empresa, tirá-los e colocá-los em qualquer local, mas o Clube está procurando fazer isso da melhor forma possível e minimizar qualquer chance de outro animal entrar no campo, mas também está pensando na conservação e na importância deles na área urbana. Esta concepção ambiental também está sendo feita”, afirma.
Na busca por estes “bichinhos”, a análise conta com o apoio do Laboratório de Zoologia, o curso de Ciências Biológicas e o Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Unesc, envolvendo a ajuda de alunos.
Ao final do trabalho, será elaborado um relatório com as características de tudo que foi observado, se foram registrados outros animais e se houve a necessidade de fazer a realocação. “O caso do gambá durante a partida ganhou as páginas da mídia nacional. Todos ficaram se perguntando como o animal entrou no gramado e vimos a oportunidade de mostrar ao público a preocupação do clube com o respeito aos animais. Por isso estamos produzindo juntamente com a Unesc um documento que garanta ao Criciúma uma sustentação jurídica em caso de reincidência”, explica o presidente do clube, Anselmo Freitas.
O mandatário ainda destaca que valoriza a Universidade e a parceria gera bons exemplos para a sociedade. “Os profissionais e prestadores de serviços do clube também receberão a instrução correta no caso de acontecer novamente, para que o Corpo de Bombeiros possa ser chamado e realize a destinação correta do animal ao seu habitat”, completa.
Animal que prefere cidade ao campo
Mas voltemos à pergunta feita no início do texto: é comum que gambás circulem pela área central de Criciúma? O professor Fernando Carvalho diz que sim. “Estes animais são o que chamamos de fauna sinantrópica, ou seja, uma fauna que tem associação com áreas urbanas ou que se habituaram a viver nestes ambientes. O gambá é um dos mamíferos que tem a maior capacidade de utilizar áreas residenciais, então ele fica em telhados, bueiros, embaixo de calçadas durante o dia, saindo à noite para procurar comida e fonte de água. Não tem nada de anormal ele estar ali, anormal foi invadir o jogo”, cita.
Ainda conforme o professor, o gambá é um animal que tem uma grande plasticidade alimentar, podendo se alimentar de insetos, pequenos roedores, serpentes, frutas, ou até mesmo lixo. Outra característica que facilita o hábito de morar em áreas urbanas é a grande capacidade de escalar. “As mãos e os pés facilitam este movimento de escalada, utilizando ainda a cauda para auxiliar a pular muros e a subir em telhados”, acrescenta.
Carvalho aponta duas possibilidades para que o pequeno gambá desfilasse todo o seu charme no gramado do Heriberto Hülse na noite do dia 14 de abril. “Pode ser que ele estivesse alojado sob as arquibancadas e se assustou ou até mesmo saiu para procurar alimento, se deparou com o barulho, e resolveu atravessar o campo. Por ser um animal noturno, quando há muita luz ele fica perdido. Foi uma situação atípica estar no meio campo, acabou entrando e fazendo o seu desfile no gramado”, pontua. Colaboração Marciano Bortolin.