Maria

Maria atravessou o escritório num andar rápido e desequilibrado com o olhar fixo no chão. Parou em frente à porta da diretoria e disse:

_ Posso entrar sogrinho?

Uma cara gorda e enorme surgiu por entre o marco da porta num afresco grotesco, pintado por um Rafael sem inspiração e alguém lhe fala:

_ Sogrinho? Ora, entre cretina! E se dirigindo aos demais, o sogro falava gritando:

_ Vejam a boçal que temos! E precisamos aturar, por causa de um filho!

Sentada em frente à mesa do sogro, ainda podia sentir os olhares zombeteiros que chegavam até ela, através das divisórias transparentes. Foi informada pelo velho que deveria participar de uma reunião importante, somente assinaturas de contratos e que deveria voltar com tudo impecável.

Pegou um táxi, e este descia a Avenida Paraná, quando foi abalroado por um carro no cruzamento com a Rua Tupi. O sinal estava fechado para o táxi, disseram os curiosos, alguns minutos depois.

Maria batera com a cabeça na coluna lateral do veículo e ficara desacordada durante uns 10 minutos. Ao se recuperar conseguiu convencer os militares! Limpou os vestígios de sangue na sua fina saia italiana (nem percebeu o hematoma enorme, que lhe sombreava a testa).

Sentia-se um pouco confusa e desceu do táxi, caminhou por algumas ruas. Mais tarde foi parar num boteco, e jamais saberá responder o porquê de ir até lá.

Neste boteco começou a mudança em sua vida. Maria encostada no balcão sujo, de mármore escurecido pelo tempo, remoia-se por não ter comparecido a reunião… Sentia-se melhor, mas na realidade o estado de confusão mental piorava a cada copo de Martine que a atendente lhe servia. Após seu casamento se tornou rica, mas nunca mais tinha enchido os pulmões com o mesmo ar infecto que os miseráveis respiravam naquele botequim… Esquecera por completo a reunião perdida.

Maria ao perceber que era observada, sorriu, evidenciando uma falha escura em sua boca, onde antes deveria ter existido uma prótese de um dente molar. Era uma mulher feia e estava acima de seu peso ideal. Os cabelos incrivelmente vermelhos – resultado de alguma tinta esquisita – caiam-lhe sobre os olhos de forma proposital. Talvez pra sugerir um certo ar misterioso ou para ocultar uma mancha roxa em seu olho direito, resultado de uma desavença com o último cliente.

E neste silêncio, sentada numa cadeira de bar se sentiu feliz! Voltava as origens e a pobreza resgatava sua paz interior que falava mais alto que a sua própria hipocrisia! O casamento não deu certo, falam por aí… E Maria? Não sei!