Travessia

Depois que o vírus chegou a confusão tomou conta de nossas casas. Homens e mulheres permanecem aborrecidos e inquietos… As estrelas não conseguem tomar conta do céu com o mesmo brilho. O vento parece mais furioso e as poeiras das ruas misturam-se no ar.

Ao amanhecer acordo, viro para lá e para cá… Olho para as ruas e retorno ao quarto pensativa… Após um banho o café matinal, e sinto o perfume vindo dos cafezais. Uma fatia de bolo ou biscoito, e só. Há várias frutas, olho e deixo para mais tarde… Quero sair e não devo, então volto para a cama novamente, e lá permaneço alguns minutos me organizando mentalmente para o dia que está iniciando.

Que momento difícil! Sentimos a falta dos abraços e beijos das pessoas que amamos… Olho para o céu e está mais pálido e o sol queima com mais intensidade. Porém a brisa suave acompanha as nuvens. O canto dos pássaros soa fraco e as pessoas enjauladas nas casas esperam extenuadas o fim da tristeza e o início da alegria.

E as crianças? Sentam-se a soleira de suas portas ou permanecem trancadas em apartamentos; suas mãos brincam com qualquer coisa, até gravetos ou pedregulhos… Ainda bem que os pais conservam a fé e o ânimo. As mulheres se acercam de seus maridos, pesquisando-lhes disfarçadamente os traços do rosto, a ver o quanto os afligem o tal corona vírus. As crianças permanecem junto a eles, pés nus sem nada compreender.

Observei na rua um homem de máscara, sério e parecia cansado. Usava uma calça de casimira parda barata, e tão nova que os vincos brilhavam ainda perfeitos. E a camisa de cambraia azul parecia bonita. A calça parecia muito curta para um homem da sua altura. Calçava um par de botas, dessas usadas pelos soldados. De repente puxou do bolso um cigarro e sumiu… Nem sei quem é, mas parece ajudar a cuidar dos doentes.

Pouco a pouco, habituamo-nos e temos que recorrer a uma nova maneira de viver. Nos frenéticos dias em que vivemos é como ver a paisagem pela janela do carro em movimento. É ou não é, uma travessia?