Quando a inspiração foi embora

Olho para a rua e para os livros, busco uma inspiração. Rubem Braga aparece na minha frente, não sei se está sorrindo ou rindo de mim! Um fenômeno, único escritor que conquistou um lugar definitivo na nossa literatura, exclusivamente como cronista.

Abordava assuntos do dia a dia, falava de si mesmo, de sua infância, dos seus primeiros amores. Impregnava tudo que escrevia de um grande amor à vida – a vida simples, não sofisticada, dos humildes e sofredores. A riqueza da poesia acompanhava cada crônica que ele publicava nos jornais. Na crônica “O Homem do Mediterrâneo” ele foi fantástico! Em prosa mencionou o amor que sentiu por uma mulher “Como o Brasil está longe, além dos mares, das gerações! Mas, mesmo na minha loucura mansa, perdida toda a memória, talvez eu guardasse um certo nome de mulher, perante um desses mármores lavados pelas chuvas, dourados pelos sóis, eu me lembrasse vagamente da pele de seu corpo e sentisse, talvez, uma confusa, violenta vontade de chorar”.

Imagino que em algum lugar do mundo tem alguém sem inspiração e precisa escrever uma crônica! Abro uma gaveta, esbarro-me em Ernest Hemingway, autor do livro “O Sol também se levanta”, uma narrativa sobre as desilusões de um grupo de americanos ricos, exilados em Paris logo a Primeira Guerra Mundial. Relembro o enredo e retorno ao meu objetivo, escrever uma crônica. Estou sem inspiração, pareço a Lygia Fagundes Telles, que escreveu um conto, cujo título é até engraçado “O crachá nos dentes”, sobre um cachorro que falava no telefone, fazia piruetas e dançava. Imagino que ela estivesse sem inspiração. Sinceramente, é difícil pensar quando seus pensamentos estão em outro contexto. A ideia flui e foge como uma borboleta que invade a sua biblioteca de repente, dá um adeus e vai embora.

Segundo Sartre, os seres humanos nascem para serem livres. Mas, liberdade implica também em responsabilidade. Somos responsáveis pelo que escrevemos ou deixamos de escrever. Não há satisfação maior para o escritor do que quando este se sente aceito e valorizado através daquilo que escreve. Num impulso, abro o livro de poesia, e lá vem Fernando Pessoa falando desta arte, transformar em palavras as ideias que vagueiam na nossa mente. “Dizem que finjo ou minto / Tudo que escrevo. Não. / Eu simplesmente sinto / Com a imaginação. / Não uso o coração. /Tudo o que sonho ou passo, / O que me falha ou finda, / É como que um terraço / Sobra outra coisa ainda. / Essa coisa é que é linda. / Por isso escrevo em meio / Do que não está ao pé, / Livre do meu enleio, / Sério do que não é. / Sentir? Sinta quem lê!”.

Escrever crônicas é uma arte, não é a prosa de um ficcionista, na qual ele é levado meio a tapas pelas personagens e situações que as criou. Não pode faltar as artimanhas peculiares e se nada houver, resta-lhe o recurso de olhar em torno e esperar que, através de um processo associativo, surja-lhe de repente a crônica, isso senão estiver sem inspiração…