SC aceita propostas forjadas e gasta R$ 33 milhões na compra de respiradores

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Reportagem do site The Intercept Brasil levanta aquisição de aparelho ao preço unitário de R$ 165 mil

Da Redação

Os repórteres do The Intercept Brasil Fábio Bispo e Hyury Potter publicaram ontem (27) uma reportagem denunciando a compra de 200 respiradores ao valor de R$ 33 milhões pelo Governo de Santa Catarina. A transação teria levado, segundo os repórteres, apenas cinco horas (leia a matéria completa no site pelo QRCode desta página).

Segundo informações do site, “os aparelhos, que deveriam ter sido entregues no início de abril, em 48 unidades de saúde do estado, não chegaram. A previsão mais otimista, agora, é para junho”. Cada respirador custou R$ 165 mil – valor bem acima dos R$ 60 mil a R$ 100 mil pagos pela União e por outros estados.

“Além do preço, causa estranheza a escolha do fornecedor: a Veigamed, uma empresa da Baixada Fluminense, sem histórico de vendas desse aparelho e especializada no comércio de produtos hospitalares como gaze e mobília. Em seu site, não há menção a respiradores ou qualquer outro tipo de equipamento elétrico de maior valor. A empresa também nunca teve nenhum contrato com o governo catarinense e, nos últimos cinco anos, a soma de todos os produtos que vendeu à União é de apenas R$ 24 mil”, aponta o texto do The Intercept.

“A primeira movimentação do governo catarinense para aquisição dos respiradores foi protocolada pela Secretaria de Estado de Saúde às 10h17 de 26 de março. Naquele mesmo dia, às 15h31, foi incluída no sistema a ordem de fornecimento dos equipamentos oferecidos pela empresa, finalizando o processo de escolha”, frisa a presa em concretizar a opreração.

Segundo os repórteres, a “empresa fica localizada em uma casa simples no município de Nilópolis, segundo os dados presentes na proposta feita ao governo catarinense. Em seu site há apenas a foto de um prédio com pinta de imagem adulterada no Photoshop e uma referência a outra cidade, Macaé, na Região dos Lagos do Rio, além de um telefone em que ninguém atende”. Os repórteres ligaram para o telefone presente no cadastro da Receita Federal, mas foram informados que o número correspondia a uma “casa de massagens”.

Não bastasse a dúvida da idoneidade das empresas envolvidas na transação, o fornecedor estrangeiro para os aparelhos mudou. O empresário Pedro Nascimento Araújo, CEO da Veigamed, informou ao governo, numa resposta a questionamentos da demora de entrega, que eles tiveram problemas com o fornecedor do respirador Medical C35, da empresa panamenha. “Em anexo, acrescentou uma fatura de negociação internacional de outro modelo de respirador, de um fornecedor na China. O novo aparelho, escolhido sem consulta técnica ao governo catarinense, é o Shangrila 510S. Trata-se do mesmo aparelho que aparece nas fotos apresentadas pelas supostas concorrentes da empresa dias antes como se fosse o Medical C35. Mais ou menos como mostrar a alguém a foto de um Gol dizendo se tratar de um Audi, o que leva a crer que a ideia era essa desde o princípio”, diz o texto do site.

“A mudança para um aparelho inferior baixou o custo da empresa em R$ 21 milhões, mas o valor do contrato segue o mesmo”, aponta o site, informando que o governo só se mexeu porque os repórteres estavam atrás de mais dados. “A docilidade diante da empresa só mudou depois que entramos em contato com o governo pela primeira vez, na sexta-feira, 17 de abril, pedindo esclarecimentos sobre o atraso na entrega dos respiradores. Enquanto pedia mais prazo para responder às nossas solicitações, o governo se apressou para fazer novas exigências à Veigamed”, garantem os repórteres.

Ainda segundo o The Intercept Brasil, “já com o prazo estourando, nesta segunda, 27, a assessoria jurídica da Saúde produziu um parecer pedindo o cancelamento da compra, multa de 10% do valor do contrato (R$ 3,3 milhões) e suspensão de seis meses para a Veigamed firmar novos contratos com o governo do estado”.

Mas, para justificar compra, a houve pedido da assessoria jurídica por mais orçamentos e dois pareceres foram produzidos para referendar a compra urgente e os valores contratados com a Veigamed. Um assinado por um assessor jurídico da Secretaria de Saúde em 27 de março; e outro feito pela superintendente de Gestão Administrativa do estado, Marcia Regina Geremias Pauli, em 18 de abril.

Na quarta-feira, 22 de abril, enviamos 14 perguntas sobre os erros encontrados no processo de dispensa de licitação dos respiradores, como a ausência de identificação das empresas candidatas e a falta de análise técnica do modelo substituto ao contratado. A assessoria de imprensa do governo se limitou a responder que o secretário de Saúde, Helton Zeferino, “não conhece Rafael Wekerlin” e que “instaurou um processo administrativo para apurar a compra dos respiradores pulmonares da empresa Veigamed”.

NO fim da matéria, os repórteres fazem um resumo da história: “Ou seja: o governo comprou um modelo de respirador acima do preço, mas o vendedor trocou o aparelho sem consultar o poder público; os equipamentos só devem chegar com dois meses de atraso; e só então os técnicos da Secretaria de Saúde vão analisar se o respirador é apropriado para tratar pacientes de covid-19. Caso não sejam, todo processo de escolha de comprador e equipamento, que começou em março, estará descartado, e o governo terá que entrar em uma batalha para reaver os R$ 33 milhões pagos antecipadamente. Enquanto isso, equipes de saúde de 48 unidades hospitalares do estado seguem aguardando pelos aparelhos para salvar vidas no combate à covid-19. Até o dia 26 de abril, Santa Catarina já tinha 43 mortos pelo novo coronavírus há 1.337 casos da doença confirmados”.