Ser feliz é arte!

Um dos meus prazeres existenciais localizava-se nas estantes do velho escritório. Manuel Bandeira ao poetar “Pardalzinho”: – O pardalzinho nasceu/ Livre./ Quebraram-lhe a asa./ Sacha lhe deu uma casa,/ Água, comida e carinhos./ Foram cuidados em vão:/ A casa era uma prisão,/ O pardalzinho morreu./ O corpo de Sacha enterrou/ No jardim; a alma, essa voou/ Para o céu dos passarinhos!

E lá na estante de cima está José Paulo Paes com seu passarinho fofoqueiro: “Um passarinho me contou/ que a ostra é muito fechada,/ que a cobra é muito enrolada,/ que a arara é uma cabeça oca,/ e que o leão marinho e a foca…/ xô , passarinho! chega de fofoca!

E aos poucos eu relia poemas antigos que tem o poder de nos preencher a alma. Tinha ao meu alcance a companhia substituta do ser humano: os livros, meus inseparáveis amigos. Acredito que viverei muitas décadas, que chegarei aos 100 ou mais. E assim levo a vida. Mas hoje como acordei cedo, não era seis da manhã ainda, sentei-me próxima a lareira que há em minha sala imaginária. Fiquei lendo e me esquentando, pois estava frio. Iniciei a leitura de Dom Quixote De La Mancha do escritor Miguel Cervantes. A história do livro confunde-se, em muitos aspectos, com a história da humanidade. O idealismo da cavalaria e do realismo renascentista e picaresco são simbolizados nos dois personagens centrais. Dom Quixote representa o lado espiritual, sublime e nobre da natureza humana; Sancho Pança, o aspecto materialista, rude e animal.

Li algumas páginas e o dia amanhecia, sai de mansinho e deixei-me a observar o belo sol que adentrava na minha janela, como se estivesse a me observar pelos cantos da casa. Voltei ao velho escritório, observei a variedade de livros, maioria os li e alguns ainda estavam por ler. Pensei: “enquanto o silêncio me faz companhia nesta revoada de poetas, eu posso ser feliz…”. Animada, e olhei o relógio que estava na parede da cozinha, vagarosamente preparei o café da manhã: pães frescos busquei na padaria, e em volta da mesa meu marido e eu… Novamente me senti feliz, porque ele me alegra completamente, só havia motivos para sorrir… E despeço-me dos meus leitores com este poema de Cecília, como se aprende a viver lendo uma poesia!!! A ARTE DE SER FELIZ: Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que/ parecia ser feita de giz./ Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco./ Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto./ Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando/ com a mão umas gotas de água sobre as plantas./ Não era uma regra: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim/ não morresse./ E eu olhava para as plantas, para o homem,/ para as gotas de água que caíam de seus dedos magros/ e meu coração ficava completamente feliz./ Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor./ Outras vezes encontro nuvens espessas./ Avisto crianças que vão para a escola./ Pardais que pulam pelo muro./ Gatos que abrem e fecham os olhos,/ sonhando com pardais./ Borboletas brancas, duas a duas,/ como refletidas no espelho do ar./ Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lopes de Vega/ Às vezes, um galo canta./ Às vezes, um avião passa./ Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino./ E eu me sinto completamente feliz./ Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de/ cada janela,/ uns dizem que essas coisas não existem,/ outros que só existem/ diante da minha janela,/ e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar,/ para poder vê-las assim.