Coluna Economia em foco – 29/01/2020

30

Auditoria da dívida pública é realmente um bom caminho?

De tempos em tempos, forças políticas localizadas mais à esquerda na casa dos horrores que é o debate político brasileiro sugerem uma “auditoria da dívida pública” como a panaceia que livrará o orçamento público federal de seus males (na visão de tais forças políticas, os males do orçamento público se resumem a ele não ser maior). A meu ver, o argumento basilar da auditoria na dívida pública é que o Estado paga juros demais para banqueiros de menos, enfraquecendo o orçamento de interesse social mais direto, como saúde e educação. São dois problemas que enxergo em tal argumento.

Em primeiro lugar, a dívida pública acaba servindo como um instrumento para viabilizar política monetária e fiscal, sendo contratada de entes privados, e como tal já é feita em regras claríssimas para todas as partes envolvidas. No mundo moderno é uma das principais formas que os governos têm de se financiar. É como uma empresa que, para levantar capital a fim de fazer investimentos, pulveriza suas ações na bolsa e paga dividendos aos comparadores ao longo do tempo. O problema é que a maior parte dos países mais avançados, inclusive o Brasil, já depende da emissão de dívida para fazer rolar a própria dívida, uma vez que o percentual dívida/PIB na maior parte dos países já ultrapassou os limites do quitável. Essa relação só pode ser diminuída através de taxas de superávit primário (a sobra de caixa que os governos utilizam para amortizar a dívida) que já não conseguimos fazer. Neste sentido é que as iniciativas de limitação dos gastos públicos do governo Temer (PEC 241/55) e da reformulação da Previdência Social do governo Bolsonaro devem ser encarados. A dívida brasileira aumenta a uma taxa maior que o PIB desde 1993. É uma dinâmica que o Brasil não tem como suportar antes de se tornar um país plenamente desenvolvido. Portanto, o caminho correto é de fato um aperto fiscal, e não uma vaga, “auditoria da dívida pública”. Isto significa cortes de despesa, congelamento de salários e fim de programas sociais sem impactos relevantes iniciados por Temer e intensificado por Bolsonaro. Em resumo, nossos políticos precisam aprender a gastar menos e nossos formuladores de políticas públicas precisam aprender a gastar melhor.

Como já mencionado, dívida pública é um instrumento de regras claríssimas justamente para atrair o maior número de investidores possíveis. Falar seriamente sobre mudar as regras na metade do jogo é atrair desconfiança desse povo. O resultado é que os juros exigidos do governo pelo mercado, irão aumentar. E o governo será obrigado a pagar sob pena de não conseguir se financiar. Espera-se que o déficit público brasileiro seja zerado até 2022. Neste meio tempo, as contas só poderão ser fechadas com emissão de dívida.

Lula e FHC conseguiam manter como um superávit primário médio cerca de 3,5% do PIB ao ano. Isso, ao longo do tempo, permitia que eles fizessem amortização da dívida. Eles recompravam títulos na mão de investidores e os benefícios eram duplos. Primeiro, o governo já não mais pagava juros sobre aqueles títulos e segundo, aqueles investidores, com capital na mão podiam investir em atividades produtivas. Além disso, eles conseguiram negociar títulos a prazos muito mais longos, com juros futuros mais baixos. Uma situação muito mais vantajosa para o país. Infelizmente tudo isso foi por água abaixo com a política econômica do segundo mandato de Lula e de ambos os mandatos de Dilma.

Em segundo lugar, boa parte dos lucros com a dívida pública não vão para bancos, embora eles abocanhem bilhões desse quinhão. Esse dinheiro fica com investidores, e aqui é preciso salientar que não se tratam apenas de tubarões do mercado financeiro ou suínos com cartola, fraque e monóculo negociando na City londrina ou qualquer outro símbolo aglutinador de todas as maldades do capitalismo presente nas atuais edições de livros de História e Geografia do MEC. São aposentados e pensionistas, fundos de pensão de estatais, fundos de investimento domésticos e estrangeiros e o sujeito que trabalhou a vida inteira para juntar 50 mil reais e ter um fundo de renda fixa com rendimentos médios de míseros 0,4% ou 0,5%, levando em conta o atual patamar da taxa SELIC de 4,5% ao ano. Auditoria na dívida também significa, de alguma forma, tirar o sono de milhões de pequenos investidores.

Ismael Cittadin – Professor do curso de Ciências Econômicas da UNESC, mestre em Economia do Desenvolvimento pela PUCRS e doutorando em Economia pela UNISINOS. Contato: ismaelcittadin@gmail.com