Coluna Economia em foco – 23/10/2019

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Perguntas cujas respostas todos sabemos

Não é segredo para ninguém no mundo que as economias latino-americanas sempre estiveram correndo em uma pista de obstáculos a fim de poderem crescer sustentavelmente. Desde o século XIX o problema tem girado em torno de revoltas populares, caudilhos insuflando guerras civis e desestabilidades de toda ordem, impedindo assim qualquer possibilidade de os países desenvolverem instituições adequadas, criarem um mercado de crédito com acesso à linhas internacionais e travando qualquer desenvolvimento. O Brasil, que dentre os vizinhos foi sempre o mais estável, não conseguiu fugir de tal destino. A imaturidade institucional resulta na ausência de regras claras e um sistema jurídico confiável, dificulta o gerenciamento de negócios e, por fim, afugenta investimentos. Estas são as conclusões das literaturas de economia das instituições e escolha pública. A previsão de crescimento da região para o próximo ano não passa da metade da média global. Então por que o Supremo Tribunal Federal está revisitando um tema que já foi assunto de diversos julgamentos e tem sido um alicerce do combate à corrupção, um movimento que poderia devolver às ruas dezenas de milhares de criminosos condenados, produzir discórdia política e ainda mais instabilidade institucional? Gilmar Mendes tem tanto desejo de incendiar e arruinar o país?

Enquanto a cúpula do judiciário vive seu mundo de fantasia empurrando goela abaixo do noticiário assuntos que interessam apenas a acadêmicos tão desconectados da realidade quanto o STF, a criminosos e às bancas milionárias que os defendem, o Brasil real se mostra teimosamente resiliente às crises anunciadas a torto e a direito. O Ibovespa alcançou nova máxima histórica, acima de 106 mil pontos, com o mercado esperando as fatais aprovações da reforma da previdência e do Brexit. Alguns analistas insistem em que estamos no limiar de um novo rally na bolsa, com a migração de ao menos uma parte dos ativos atualmente em renda fixa para a renda variável e um aumento de confiança do investidor. Os sinais de tal confiança vêm sendo dados pela melhora de vários indicadores econômicos. Só em setembro foram quase 160 mil novos empregos. Em 2019 o número de novos empregos beira 800 mil. A inflação vai fechar o ano no piso da meta. O PIB do setor privado cresceu 1,69% no segundo trimestre de 2019 e vem se descolando do setor público, ou seja: haverá crescimento econômico e pela primeira vez ele não dependerá tanto de investimentos públicos.

Expectativas para a Economia I

As projeções do mercado para a economia brasileira em 2019, coletadas pelo Banco Central e sumarizadas no relatório Focus divulgado no dia 18/10 mostram um ano sem muitas surpresas com relação ao comportamento de índices de preços, atividade econômica, câmbio, taxa Selic. Os dados são do comparativo de hoje com quatro semanas atrás. O mercado revisou ligeiramente para cima a expectativa de crescimento do PIB, de 0,87% para 0,88%. Considerando que em agosto a expectativa era de 0,82% e decrescente, houve uma melhora significativa no ânimo do mercado. Os analistas do mercado financeiro revisaram para baixo suas expectativas para a taxa SELIC, de 5,00% para 4,50% ao ano até o fim de 2019. Quanto à inflação, mensurada pelo IPCA, também houve revisão das expectativas: o mercado considera que o IPCA pode atingir 3,26% até o fim de 2019. Há quatro semanas o mercado considerava que o fechamento de 2019 para o IPCA seria de 3,44%. O valor esperado para o dólar até o fim do ano se manteve no mesmo ao que se acreditava há um mês atrás, com uma taxa de câmbio de 4,00 R$/US$ no fim de 2019.

O balanço de pagamentos, que reflete as contas externas do país, tem sido muito afetado pelas incertezas no cenário internacional. Do Brexit à desaceleração da economia alemã, da guerra comercial EUA x China ao Quantitative Easing sendo posto em prática pelo Federal Reserve há muito dano aos países emergentes a ser feito. Tais incertezas explicam em boa parte a alta do dólar nos últimos meses. Segundo o Focus, o saldo em conta corrente do Brasil deve ficar negativo em 31,3 bilhões de dólares em 2019. O saldo da balança comercial teve uma diminuição em relação às expectativas de quatro semanas atrás, de US$ 51,95 bilhões para U$ 48,85 bilhões. O investimento estrangeiro direto (IED) no país também teve revisão para baixo. Quatro semanas atrás o mercado esperava um ingresso de 85 bilhões de dólares em 2019, hoje o número caiu para 80 bilhões. Já a dívida líquida do setor público teve uma leve revisão para cima. De 56,05% do PIB quatro semanas atrás para 56,1%. Assim, o mercado espera que o resultado primário das contas do governo fique negativo em 1,39% do produto interno bruto.

Expectativas para a Economia II

Houve muita discussão sobre a taxa de inflação negativa, ou deflação, de setembro. Não há dúvidas que uma situação de deflação consegue ser pior do que uma situação de inflação. Em uma deflação, os agentes econômicos estão segurando seu consumo e investimento, no mínimo pela expectativa de que os preços cairão mais. É um ciclo vicioso que pode afetar todas as cadeias produtivas e ser muito difícil de quebrar. Porém, assim como aconteceu com a deflação em meados de 2017 durante o governo Temer, não há motivo para o pânico (forçado, diga-se de passagem), que vi em alguns analistas. A pequena deflação se deu pelo efeito proporcional da queda no preço de combustíveis, energia e alimentos. Ou seja, não foi verificada uma diminuição generalizada dos preços, o que é a definição de deflação.

Ismael Cittadin – Professor do curso de Ciências Econômicas da UNESC, mestre em Economia do Desenvolvimento pela PUCRS e doutorando em Economia pela UNISINOS. Contato: ismaelcittadin@gmail.com