Um dos aspectos mais chocantes na indolência da elite política brasileira é sua completa inabilidade de tratar os problemas estruturais que atormentam o tecido socioeconômico há décadas como doenças degenerativas. Inabilidade gerada pela própria indolência; são mais importantes os acordos de momento e a eleição que ocorre sempre no curtíssimo prazo. Custos baixos para agentes públicos medíocres. Gary Becker, prêmio Nobel de Economia em 1992, explica como o homo economicus, neste caso, nossos agentes públicos, jamais tomará decisões que não lhes tragam o máximo de benefício pelo mínimo custo. Adiante.

O artigo Railroads of the Raj, do pesquisador Dave Donaldson (laureado com a medalha John Bates Clark, dada a jovens economistas que trabalham nos Estados Unidos e tenham contribuído com o desenvolvimento da disciplina), dá pistas fabulosas de quantos erros, omissões e irresponsabilidades a elite governante brasileira comete ao tratar da infraestrutura, o paciente anêmico da economia brasileira. Donaldson utiliza dados dos arquivos do Raj britânico, o Império Britânico na Índia, entre 1851 e 1930, para estimar o efeito da construção da malha ferroviária daquele país na sua produtividade e crescimento.

Encontro do óbvio

Os resultados vão ao encontro do óbvio: as ferrovias reduziram os custos de comércio, os preços inter-regionais e aumentaram os volumes dos negócios. A renda agrícola aumentou em 16% nos distritos onde um novo ramal era construído. Tudo isso controlando fatores como a presença de portos fluviais e costeiros nos mesmos distritos e o efeito sazonal das chuvas.

Nada para nós

A experiência e a ciência, parece, já não representam nada para nós. Passamos todo o período do Segundo Império (1840 – 1889) e da República Velha (1889 – 1930) fazendo investimentos pesados em ferrovias e lançando as bases para o desenvolvimento sustentável. No período seguinte, políticas populistas e de um desenvolvimentismo equivocado geraram ciclos de crescimento, seguidos de inflação, estagnação e recessão – para não falar de instabilidade política. A produtividade brasileira se mantém estagnada desde a década de 1980 e no ranking de performance logística do Banco Mundial ficamos na 55ª posição.

Custos de transporte 

Os custos de transporte são um imenso gargalo para a nossa produtividade. Nos acostumamos a viver com periódicas ameaças de greves dos caminhoneiros, uma classe que, justas ou injustas as suas reivindicações, recebeu poder de barganha de presente com o descaso dos governantes com os modais de transporte e com o arranjo monopolista do mercado de combustíveis controlado pela Petrobras. Para uma mente sadia, problemas em um mercado representam uma oportunidade para resolvê-los e gerar aumento de riqueza e bem-estar. Para a mente do gestor público brasileiro não. É urgente e necessário tratar o problema de forma honesta e profissional.

Gargalos

Podemos resumir o gargalo da infraestrutura em dois componentes principais: primeiro, o investimento estatal não dá conta e as famigeradas parcerias público-privadas não deslancharam. Em segundo lugar, estão as razões para isso: aparentemente, tratam-se de falhas no desenho de políticas públicas, tanto a nível federal quanto estadual e municipal. A partir daí, podemos fazer algumas perguntas. Talvez o atendimento de muitos interesses conflitantes ao mesmo tempo não criaram regras transparentes? Ou os custos para se investir em uma grande obra de infraestrutura 100% privada no Brasil são simplesmente altos demais para uma segurança jurídica pífia, pois qualquer contrato pode acabar sendo contestado na Justiça por qualquer associação política que represente interesses em jogo?

Alento 

Em um país acostumado a essa situação caótica, tem sido um alento a atuação do atual Ministério da Infraestrutura e do ministro Tarcísio Gomes de Freitas. Sob sua gestão, nos primeiros 100 dias do Governo Bolsonaro, o ministério concedeu à iniciativa privada 23 ativos, entre ferrovias, rodovias, aeroportos e terminais portuários, destravando investimentos e possibilitando dinamismo ao setor. Por isso, na minha opinião, o Ministério da Infraestrutura é provavelmente o setor mais eficiente do atual Governo Federal.

Décadas de atraso

Ainda assim, não vejo como um único governo poderia resolver tais problemas em um único mandato, quem dirá um único ministro. São décadas de atraso que não são corrigidas de um dia para o outro. Há técnicos muito competentes tomando medidas modernizantes e que se traduzem em novas leis e novas políticas,  mas, por mais que o atual governo tenha em mente um conjunto de medidas liberalizantes em se tratando de infraestrutura e economia, não consigo deixar de crer que, de forma geral, isso parte dos técnicos e da pura necessidade. Estivéssemos ainda em pleno boom das commodities, as reformas estruturais não estariam na lista de prioridades da maioria dos governadores de estado e membros do Executivo federal. A elite brasileira simplesmente não consegue ter uma visão integral de Brasil.

*Por Ismael Cittadin