Que o sistema previdenciário é uma bomba relógio na maior parte dos países desenvolvidos o mundo já sabe há mais de 30 anos. Que é a maior bomba fiscal do Brasil, sabemos no mínimo desde o início dos anos 90, quando pesquisadores do IPEA começaram a mapear o problema. Desde então, a reforma previdenciária é um tema que tem aparecido em discussão em média uma vez a cada década.

Em 1999, o presidente Fernando Henrique Cardoso criou o chamado “fator previdenciário”, que teve por objetivo desestimular aposentadorias precoces através da fórmula de conceder o benefício com tamanho inverso em relação ao tempo de contribuição.

Já em 2003, uma reforma do presidente Lula tinha o mérito de diminuir a aposentadoria futura dos servidores públicos – algo que sempre foi criticado ao longo do governo FHC pelos sindicatos influenciados ou controlados pelo PT – e foi apresentada como uma grande vitória na época.

Ainda que passos importantes, essas reformas não foram suficientes para sanar as contas do sistema de previdência pública brasileiro e o motivo é muito simples: os benefícios concedidos dependem intrinsicamente de um fluxo de gastos correntes, que aumenta à medida que a população envelhece e novos benefícios são concedidos.

Isto significa dizer que o problema da previdência é intergeracional, algo que precisa ser atacado de tempos em tempos. Logo, a raiz do problema se encontra na estrutura da pirâmide etária brasileira.

Sistema pay-as-you-go 

Isso é devido ao sistema em vigor no Brasil, do tipo pay-as-you-go, ou mais conhecido como de repartição. Nele, as contribuições dos trabalhadores na ativa servem para financiar as aposentadorias e pensões dos inativos.

Portanto, mudanças na estrutura demográfica da população – famílias com menos filhos e aumento da expectativa de vida – tendem a produzir gaps cada vez maiores entre as receitas e despesas do sistema. Estes gaps tendem a ser financiados, em última análise, através do remanejamento de despesas e, principalmente, de emissão de dívida. E é neste ponto que a cadeia de consequências do déficit da Previdência é deflagrada.

Maior emissão de dívida tem duas consequências: maior necessidade de recursos para rolagem dessa dívida, i.e., pagamento de mais juros, que são financiados com aumento contínuo da carga tributária, prejudicando o crescimento e a geração de empregos; e diminuição da liquidez disponível para outros investimentos, já que títulos do tesouro são percebidos pelo mercado de capitais como a mais segura reserva de valor.

Estagnação

Porém, nem o aumento da carga tributária nem a emissão de dívida podem se manter indefinidamente. Uma estrutura econômica que beneficia o Estado, drenando os recursos aplicáveis em investimentos produtivos para a manutenção de déficits consecutivos, gera um efeito negativo sobre o crescimento da própria renda tributável, ou seja, chegará um momento de estagnação ou recessão econômica no qual a própria arrecadação do governo diminui, trazendo à tona a necessidade de formas de financiamento bem mais perversas: emissão de moeda, imposto inflacionário. Atualmente estamos no limiar destas consequências.

Crise fiscal 

Para quem não lembra, o atual debate da reforma previdenciária foi desencadeado ainda em 2014/2015, no início da chamada “Crise Fiscal”, cujas consequências ainda vivemos. A trajetória crescente dos gastos do Estado brasileiro, que foi acentuada durante os governos Lula e Dilma deflagrou uma conjuntura de inflação alta, desemprego e recessão, com o país passando sérios riscos de voltar ao início dos anos 80 em termos econômicos.

Depois da crise política que resultou na ascensão de Temer na presidência, alguns passos importantes para o resgate do país foram dados, notadamente a PEC 241 ou 55, dependendo da casa legislativa na qual se encontrava, batizada de “PEC do Teto dos Gastos”, que congelou as despesas do Executivo Federal com cifras corrigidas pela inflação durante 20 anos.

A reforma da Previdência é a medida complementar a este teto. Para título de comparação, o déficit do Governo Federal em 2018 fechou em torno de R$ 120 bilhões, porém, o déficit da Previdência foi R$ 195 bilhões.

Idade mínima 

A criação de uma idade mínima é a base de qualquer reforma para afugentar o crescimento deste déficit. Combater privilégios é essencial, como pensões vitalícias e acúmulos de benefícios.

A instalação de um sistema de contas individuais por capitalização, como o proposto pelo Governo, que não apenas é mais solvente do ponto de vista atuarial como tem a vantagem de aumentar a poupança doméstica favorecendo o crescimento futuro, é um bom caminho. Soluções retóricas, como a cobrança de dívidas previdenciárias, muitas delas de empresas já falidas, não passam disso: retórica.

Sem a reforma, não há cortes de despesas, demissão de funcionários ou redução de investimentos que resolvam o problema. Adentraremos a década de 2020 como um país à beira da insolvência, com o dinheiro de investidores brasileiros fluindo para o exterior e o dos estrangeiros passando longe de nossos mercados.

*Como mencionado na última semana, essa página será escrita a “três mãos”, por Amauri de Souza Porto Junior, Thiago Rocha Fabris e Ismael Cittadin, que assina a coluna de hoje.