BALNEÁRIO RINCÃO E SUAS HISTÓRIAS…

A orla do Balneário Rincão parecia uma fotografia da época do meu avô Miguel, 40 anos atrás. Meu avô colocava seus netos numa carroça, deslocava-se da cidadezinha chamada Guarita e percorria as estradas antigas indo até a praia da Gaivota. Montava uma barraca à beira-mar, e permanecíamos naquele espaço até uma semana.

Guardo carinhosamente estas lembranças, minha avó e minha mãe na cozinha improvisada, e vovô e seus netos mais velhos pescando e catando deliciosos mariscos. Dia antes da viagem, vovô batia na porta da minha casa e falava: “Ilma, faça suas malas para ficarmos uma semana no mar, quem sabe Deus nos ajude e vamos trazer comida para um mês”.

Nos dias de hoje é lamentável saber estas histórias porque relembramos as dificuldades, mas naquela época não havia angústia, tudo era alegria, pois o amor que permeava nossas famílias não deixava a tristeza chegar. Minha mãe falava baixinho “Deus é bom e a pescaria é uma luz divina, e nunca voltamos para casa sem comida!”.

Voltei ao passado para ilustrar o momento atual, pois quem esteve à beira-mar nestes últimos dias teve a oportunidade de prestigiar cenas belíssimas dos marisqueiros. A cena remetia-nos à obra do pintor holandês Van Gogh “View of the Sea at Scheveningen (1888)”, uma pequena vista do mar, o céu nublado e a bandeira de barcos dançando com o vento.

Há 33 anos sou habitante desta praia independente do tempo, e pela primeira vez observei uma cena encantadora acontecendo nas areias alvas da praia do Rincão. Observei quilômetros de pessoas, uma ao lado da outra perseguindo os frutinhos do mar, os mariscos. Surgiam homens, mulheres, crianças e avós buscando o fruto que não é proibido.

Quem conseguia mais, sorria de felicidade, e o com menos aptidão para a arte ou sorte ficava quieto e sem a expressão de vitória, apenas perseguia a busca, e meio irritado perguntava para o amigo vizinho: “Ei, não quebrou nem uma unha pra pegar este marisco enorme?” O outro respondia: “Não, com jeitinho você tira a criaturinha da areia, e como é fácil”.

Percorri a orla, só observando e ouvindo as histórias dos pescadores (dos marisqueiros). Um senhor falava ao outro companheiro de suas aventuras no mar: “Uma vez meu bisavô foi tomado por um acontecimento único! Enquanto catava marisco apareceu a sereia do mar, seduziu e enfeitiçou o filho do seu vizinho. Abraçaram-se e sumiram indo para o fundo do mar, e o menino nunca mais apareceu”.

O catador de marisco parecia pálido ao ouvi-lo, e só perdeu o medo e a brancura no rosto quando o outro lhe deu um tapinha nos ombros e falou: “Não tem perigo não, tanto você quanto eu somos tão feios que sereia nenhuma vai nos querer, não precisa ficar apavorado”.

Outra história: “Numa manhã de domingo havia tanto marisco, que não precisava buscar nas profundezas da areia, pois havia dois metros de marisco flutuando sobre a areia”. Lá na frente uma mulher declamava um poema do poeta Fernando Pessoa: “Ó, mar salgado, quanto do teu sal/ São lágrimas de Portugal!/ Por te cruzarmos, quantas mães choraram/ Quantos filhos em vão rezaram!/ Quantas noivas ficaram por casar…!”

Anoitecia, despedi-me dos catadores de mariscos, e enquanto me distanciava pensava nos versos do escritor Mario Prata “…E eu me sinto quase uma Garota de Ipanema quando caminho em direção ao meu mar. Vou num doce balanço, num calmo balanço, como se estivesse indo dar um abraço na água…”